Diariamente surgem acontecimentos dos quais resultam situações de privação temporária do gozo e fruição de um bem.
Isto sucede, desde logo, em matéria de sinistralidade rodoviária, em que a maior parte das vezes, se assiste a uma privação do uso do veículo, principalmente, no período em que se procede à sua reparação.
Neste caso, perante a ocorrência de um acidente de viação de onde resultam danos no veículo de um dos intervenientes, dever-se-á providenciar de modo a reconstituir a situação que existiria se o facto danoso não se tivesse verificado, ou seja, será necessário proceder à reparação decorrente da ocorrência do sinistro, que terá por consequência a imobilização do veículo, privando o seu uso naquele espaço de tempo entre a reparação do veículo e a sua entrega ao sujeito lesado.
Esta situação prejudica o proprietário do veículo danificado e, é neste contexto que surge a questão controversa de saber se a privação do uso de veículo decorrente de acidente de viação é suscetível de, por si só, constituir a obrigação de indemnização sobre o lesante.
Ora, para que haja lugar ao pagamento de uma indemnização, é necessário que exista um dano patrimonial, isto significa que tem de ser suscetível de avaliação pecuniária.
Neste sentido, a possibilidade de utilizar de forma imediata e a todo o tempo um veículo que está na garagem ou à porta de casa é considerada, hoje, geralmente como uma vantagem patrimonial, independentemente da frequência que se faz uso do veículo.
Esta solução fundamenta-se na necessidade de proteger o lesado economicamente mais desfavorecido e que não tenha optado pela contratação de um veículo de substituição.
Se assim não fosse, o lesante ou a seguradora ficariam beneficiados, colocando entraves relativamente à exigência de um veículo de substituição.
O artigo 102º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro prevê que no caso da ocorrência de sinistro, mais concretamente, quando há confirmação deste, das suas causas, circunstâncias e consequências, recai sobre a seguradora a obrigação contratual de satisfação da prestação a que está adstrita.
Nos termos do nº 2 do art. 130º (da Lei do Contrato de Seguro) no seguro das coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado no contrato de seguro, concluindo o nº 3 do mesmo artigo que este regime também é aplicável ao dano da privação do uso.
Com efeito, o uso de um veículo automóvel constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano patrimonial que deve, por si só, ser indemnizado com recurso critérios de equidade.
Por conseguinte, mesmo quando se trate de veículo em relação ao qual inexista prova de qualquer utilização lucrativa, não está afastada a ressarcibilidade dos danos tendo em conta a mera indisponibilidade do bem.
Mas mais, no caso de acidente causado pelo veículo seguro, deve a seguradora indemnizar o lesado pela paralisação de privação do uso do seu veículo, mesmo que ocorra perda total do mesmo.
A falta de reparação ou quando esta não seja viável pela sua grande onerosidade, não retiram ao lesado o prejuízo que sofreu pela privação do veículo, pelo menos até à data em que receba da seguradora a indemnização correspondente.