Com a Lei 6/2006, o NRAU passou a aplicar-se aos contratos de arrendamento celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações constituídas que subsistissem nessa data, sem prejuízo do previsto no artigo 59º (normas transitórias). Em harmonia com esta norma, o artigo 60º, nº 1, revogou o RAU, mantendo-se apenas as matérias salvaguardadas nos artigos 26º e 28º.
No que concerne aos arrendamentos celebrados antes da Lei 31/2012, mantém-se, em sede de normas transitórias, a diferença de regime, constante da redação original da Lei 6/2006, entre contratos de arrendamento para habitação celebrados na vigência do RAU e os contratos de arrendamento para habitação celebrados antes do RAU, aos quais se aplica os artigos 26 e 28 respetivamente.
No respeitante à desvinculação ad nutum através de oposição à renovação no arrendamento para habitação de “duração limitada”, atualmente denominado de arrendamento “com prazo certo”, o artigo 26º, nº3 da Lei 6/2006, na sua redação inicial, veio dispor no sentido da renovação automática desses contratos, quando não fossem denunciados por qualquer das partes no fim do prazo pelo qual foram celebrados, pelo período de três anos, se outro superior não tivesse sido previsto. Tal prazo, com a reforma de 2012, é reduzido de três para dois anos.
Para ser concreto, a “denúncia” a que se refere o artigo 26º, nº3, da Lei 6/2006 corresponde à oposição à renovação introduzida pelo legislador de 2006 no Código Civil.
Em virtude do regime plasmado na norma suprarreferida, aplicável, por força do artigo 28º, aos arrendamentos de duração limitada celebrados antes do RAU, é aplicável o regime dos artigos 1097º e 1098º do Código Civil, ou seja, pode ser deduzida a oposição à renovação por parte do senhorio.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – Processo 313/18.5T8AVV.G1
A questão jurídica colocada no mencionado acórdão é a de saber se o senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento de duração indeterminada celebrado na vigência do RAU.
Tal questão está interligada com a evolução legislativa operada no arrendamento, posterior ao Regime do Arrendamento Urbano, e a interpretação das normas transitórias insertas nos dois diplomas que se lhe seguiram, a Lei 6/2006 Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e 31/2012, Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano.
Para o efeito, antes da entrada em vigor da Lei 31/2012, todos os arrendamentos para habitação, celebrados antes da vigência da Lei 6/2006, ao abrigo do regime vinculístico estavam protegidos contra a livre denúncia do senhorio, a partir desta Lei é atribuído ao senhorio a faculdade de denunciar livremente o contrato.
Dispondo a nova lei diretamente sobre o conteúdo da relação jurídica, abstraindo-se dos factos que lhe deram origem, ela aplica-se às relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Estamos perante uma retroatividade mínima admissível porque apenas tolhe os efeitos jurídicos dos contratos de arrendamento celebrados no passado, mas que se prolongam para o futuro, a partir de certo momento beneficiando de um regime diferenciado.
Quanto aos contratos habitacionais celebrados na vigência do RAU passa a prever-se a possibilidade de livre denúncia pelo senhorio, dos contratos celebrados por duração indeterminada nos mesmos termos aplicáveis aos novos contrato.
Contudo, tal regra apenas é excecionada quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.
Em suma, todo o pensamento inicialmente arquitetado não poderá ser aplicado, pois, apesar de estarmos perante um contrato de arrendamento habitacional celebrado antes da entrada em vigor do RAU, aplicamos as regras transitórias presentes no NRAU para os contratos celebrados durante a vigência do RAU (artigo 28º do NRAU). Logo, tal como foi afirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, os contratos de arrendamento para habitação celebrados durante o RAU podem ser denunciados, exceto se se tratar de pessoa com idade igual ou superior a 65 anos, enviesando, desta forma, a aplicação do artigo 26º e 28º do NRAU.
Ponto importante estabelecido no acórdão supramencionado é o de que “o contrato em análise estabelece o prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo. Em tal situação, tem sido pacificamente entendido (1) o de considerar estes contratos de duração indeterminada. Primeiro, porque o artigo 98º do RAU prevê uma cláusula inequívoca de duração do contrato que tem que ser escrita e não pode ser inferior a cinco anos. Depois, as partes não referiram no contrato que o mesmo tinha duração limitada. Para além disso, o prazo de um ano, prorrogável por iguais e sucessivos períodos dá a entender que de facto as partes pretenderam celebrar um contrato de duração indeterminada, sendo aliás aquele que é habitualmente estabelecido.”.
Ou seja, o contrato celebrado pelas partes em 1976 segue o mesmo pensamento, pois estávamos perante um contrato vinculístico, ou seja, dependente apenas do inquilino para cessar os seus efeitos, tornando o contrato de arrendamento em um contrato de arrendamento de duração ilimitada.
É, inclusive, mencionado que ao arrendamento vinculísitco corresponde, atualmente, a modalidade dos contratos de duração indeterminada, (artigo 1094º, nº3, do Código Civil) e a sua cessação por denúncia encontra-se prevista no artigo 1099º e seguintes do Código Civil.
Este preceito estabelece que o contrato de arrendamento urbano de duração indeterminada cessa por denúncia de uma das partes. Como salienta Januário Gomes “sem prejuízo das especificidades de regime que encontramos nos “artigos seguintes”, o artigo 1099º mais não faz do que reconhecer e consagrar um princípio geral dos contratos: o de que os contratos celebrados por tempo indeterminado podem cessar por denúncia de qualquer das partes”.
O NRAU veio estabelecer, no referente ao regime de denúncia consignado no artigo 1101º do Código Civil, que o senhorio podia denunciar o contrato de arrendamento de duração indeterminada em três situações: a) necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau; b) para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos; ou c) mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação.
As situações das alíneas a) e b) do artigo 1101º, embora suscitassem algumas dúvidas quanto à sua consideração como verdadeiras denúncias (4), vieram a ser qualificadas como de denúncia justificada, ao passo que a situação da alínea c) do artigo 1101º consubstanciava uma denúncia em sentido técnico - situação em que o senhorio podia discricionariamente operar a extinção do contrato de arrendamento celebrado por tempo indeterminado. Sempre se considerou que o pré-aviso de cinco anos, ao caso não era excessivo nem desvirtuava a figura da denúncia, dado tratar-se de arrendamento para habitação.
O novo diploma revogou o RAU, mas nos seus artigos 26º a 28º (normas transitórias) ressalvou algumas matérias, nelas se incluindo o regime de denúncia pelo senhorio (artigo 26º, nº 4, alínea c').
A Reforma de 2012, operada pela Lei nº 31/2012, de 14/08, veio introduzir alterações, principalmente no que concerne à alínea c) do artigo 26º, nº4, passando o preceito a ter a seguinte redação: “Os contratos sem duração limitada regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades: O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%."
A partir de então, quanto aos arrendamentos celebrados na vigência do RAU, passa a ser aplicável o disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil, salvo se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Fora destes casos, o senhorio poderá exercer a denúncia livre mediante o cumprimento do prazo de pré-aviso de 2 anos sobre a data em que pretenda a cessação do contrato.
Ou seja, antes da entrada em vigor da Lei 31/2012, todos os arrendamentos para habitação, celebrados antes da vigência da Lei 6/2006, ao abrigo do regime vinculístico estavam protegidos contra a livre denúncia do senhorio, a partir desta Lei que em termos substanciais introduz um Novíssimo Regime do Arrendamento Urbano, é atribuído ao senhorio a faculdade de denunciar livremente o contrato.
A Lei 31/2012, não é uma lei neutra, alterando significativamente o regime de arrendamento urbano, e sobretudo ao alterar o regime transitório aplicável aos contratos de arrendamento antigos, coloca a questão da retroatividade das normas. As normas em causa estabelecem efeitos jurídicos sobre relações de arrendamento já constituídas, protegidas por um regime vinculístico e pela limitação às possibilidades de denúncia do senhorio.
Por isso mesmo, confrontados com uma sucessão de leis no tempo, a questão da sua aplicabilidade às relações já constituídas deve ser resolvida, de forma sucessiva e sequencial, através de normas de direito transitório especial (ou seja, normas da própria lei nova que disciplinem a sua aplicação no tempo), depois pelas normas de direito transitório sectorial (ou seja, que regulem na aplicação no tempo das leis sobre certa matéria), e finalmente por normas de direito transitório geral (ou seja, que definam o modo de aplicação no tempo da generalidade das leis, independentemente da matéria sobre que versam.
Seguindo tal exegese, o artigo 59º do NRAU, normativo que, conforme resulta expressamente da sua epígrafe, se destina a regular a sua aplicação no tempo, dispõe no seu nº1 que “o NRAU se aplica aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.
As normas transitórias a que se refere aquele dispositivo legal são as constantes dos artigos 26º a 28º. A norma para o que agora importa é a do artigo 26º, nº 4, que relativamente aos contratos sem duração limitada, determina que os mesmos “regem-se pelas regras aplicáveis aos contratos de duração indeterminada, com as seguintes especificidades: O disposto na alínea c) do artigo 1101.º do Código Civil não se aplica se o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%.
Por sua vez, o art. 12º, nº 2 do Código Civil dispõe que “quando a lei dispuser sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo-se dos factos que deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor”.
Concluindo, tendo as relações arrendatícias efeitos duradouros, que se prolongam enquanto as mesmas subsistirem, a nova lei do arrendamento é aplicável aos contratos daquela natureza - não obstante ter a celebração ocorrido antes da sua entrada em vigor - cujos efeitos se estendem para além do início da sua vigência.
É, por consequência, nas relações jurídicas duradoras como é o caso da relação jurídica do arrendamento urbano que se torna essencial que juntamente com uma nova ordenamentação jurídica legislativa seja previsto um regime transitório.
A alteração operada com a Lei 31/2012 surgiu no âmbito de um esforço propositado do legislador no sentido de alterar o regime transitório aplicável aos contratos celebrados na vigência do RAU e antes da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, pelo que sob pena de manifesta inutilidade e incoerência legislativa, se terá de aplicar a redação atualizada da norma transitória aos contratos já existentes à data da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006.
Em suma, o artigo 26º, nº4 do NRAU aplica-se por se tratar de um contrato de duração indeterminada, contudo, tratando-se de inquilino com idade superior a 65 anos, não se poderá recorrer ao artigo 1101º, c), do Código Civil, para denunciar o contrato.
Contudo, o artigo 26º, nº4, a) do NRAU estabelece também que, caso o inquilino possua idade superior a 65 anos de idade, não poderá o contrato de arrendamento ser denunciado pelo senhorio com fundamento em necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1º grau.
Mais, a denúncia do artigo 1101º, b), do Código Civil, também sofre limitações quando o inquilino é uma pessoa com uma idade igual ou superior a 65 anos de idade.
O Regime Jurídico das Obras em Prédios Arrendados determina, no artigo 25º, que a denúncia do contrato de duração indeterminada para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundis, nos termos do artigo 1101º, b), do Código Civil, quando o arrendatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60%, aplica-se o disposto no artigo 6º (“pagamento de uma indemnização no valor mínimo correspondente a dois anos de renda, não podendo este ser inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado; A garantir o realojamento do arrendatário por período não inferior a três anos”). O realojamento previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 6º dá lugar à celebração de novo contrato por duração indeterminada, não sendo aplicável o disposto na alínea c) do artigo 1101º do Código Civil, ou seja, não pode o senhorio proceder à denúncia do contrato de arrendamento.