O Direito de Preferência vs Entrada em Espécie

O artigo 1091º do Código Civil estabelece o direito de preferência do arrendatário no caso de compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos.

Neste sentido, será que poderemos considerar como compra e venda a entrada no capital social realizada em espécie de um imóvel? Isto é, a transmissão para a sociedade da propriedade de um imóvel?

O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, através do processo 06B3596, no sentido negativo.

A recorrente, no processo supramencionado, alegou que “o negócio jurídico em causa operou a transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, pelo valor da totalidade do capital social, como entrada social da sócia única, no ato de constituição da sociedade, que, sem dúvida, constitui o preço, na dupla vertente material e funcional, como, aliás foi retratado na matéria de facto fixada nos autos.

Deste modo, o negócio jurídico sub specie é duplo e geminado, de sociedade e de compra e venda, tendo a transmitente e sócia única recebido da sociedade, como contrapartida, o valor pecuniário correspondente ao da totalidade do capital social, que constitui o preço estipulado.

Existindo uma compra e venda, existe o peticionado direito de preferência da A. inquilina, ora recorrente”.

Ora, o STJ discordou deste argumento utilizado pela recorrente, tendo afirmado que no caso em concreto não se pode caracterizar a entrada em espécie no capital da sociedade como uma compra e venda.

Para existir compra e venda é necessária a correspetividade de duas prestações: o direito de propriedade (ou de outro direito) por um lado; e o preço, em dinheiro, pelo outro.

Ou seja, não tendo a transmissão da propriedade do imóvel o correspetivo pagamento de qualquer quantia em dinheiro, então não pode ser considerado como contrato de compra e venda, logo, não há direito de preferência.

O contrato de compra e venda, segundo Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “consiste essencialmente na transmissão de um direito contra o pagamento de uma quantia pecuniária, constituindo economicamente a troca de uma mercadoria por dinheiro”.

Mais refere o autor que “sendo um contrato translativo de direitos, a compra e venda pressupõe ainda a existência de uma contrapartida pecuniária para essa transmissão.

Se não existir qualquer contrapartida, o contrato é qualificável como doação (940º cc) e se a contrapartida não consistir numa quantia pecuniária o contrato já não constitui uma compra e venda, mas antes um contrato de escambo ou troca.”