Imaginemos, para o efeito, o seguinte cenário: Ana reside junto de um estabelecimento comercial, nomeadamente, uma discoteca ou bar.
Proveniente da atividade desse estabelecimento comercial, Ana não obtém o descanso necessário para uma vida plena e saudável.
Haverá algo que Ana possa fazer, visto que o estabelecimento comercial se encontra devidamente licenciado?
Face ao presente panorama, facilmente conseguimos distinguir dois tipos de direitos conflituantes: por um lado temos o direito ao exercício da atividade comercial e por outro lado temos o direito ao descanso de Ana.
Tal como estabeleceu o Supremo Tribunal de Justiça, “O facto de um estabelecimento de diversão noturna (discoteca) se encontrar licenciado não dispensa o cumprimento de deveres relacionados com o ruído que do mesmo irradia para o exterior, com reflexos negativos no direito ao descanso e ao sossego de quem habita nas proximidades.”
Tal entendimento é perfilhado, nomeadamente, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que estabeleceu que “O Regulamento Geral do Ruído estabelece limites máximos objetivos inultrapassáveis, mas não consagra um direito absoluto de emissão de ruídos abaixo de tais limites, pelo que os ruídos que respeitarem o tecto que consta nesse diploma têm ainda que observar a restante legislação sobre a matéria, designadamente a referente aos direitos de personalidade.”
Isto é, apesar de um estabelecimento comercial possuir o devido licenciamento, tal não lhe permite produzir ruído até ao limite máximo genericamente estabelecido no Regulamento Geral do Ruído.
O estabelecimento comercial deve reger-se por uma dualidade de limitações, nomeadamente, a limitação máxima genericamente estabelecida no Regulamento Geral do Ruído e o direito ao descanso das pessoas que vivam na circunscrição geográfica da área de atuação do estabelecimento que possam ser afetados por tal ruído.
Tal como estabelece o artigo 335º do Código Civil, “Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.”
Ora, no caso em concreto não há dúvida que o direito ao descanso (como direito de personalidade que é) prevalece relativamente ao direito ao exercício de uma atividade comercial.
Face ao exposto, Ana teria o direito de exigir que o estabelecimento comercial deixasse de produzir ruído que afetasse o descanso.